O futebol é uma jaula

Disputas da Libertadores e do Campeonato Brasileiro nos prendem junto com a emoção

03/11/2023, 15:12
Atualizado há 6 meses
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Por Ricardo Niquetti
Palmeiras virou sobre o Botafogo após estar perdendo de 3 a 0 (Foto: Alexandre Brum/Enquadrar/Estadão Conteúdo)Palmeiras virou sobre o Botafogo após estar perdendo de 3 a 0 (Foto: Alexandre Brum/Enquadrar/Estadão Conteúdo)

Sabemos que o futebol, esse esporte que tem o nascimento inglês, porém é, sem sombra de dúvidas, um esporte da humanidade, e mais específico um esporte carrega a metáfora da vida, ou como afirma o historiador Luiz Antonio Simas define, é fato social completo.

Obviamente que existe lógica, treinamento, repetição, planejamento, craques, é outras coisas mais banais, todavia a grama, a bola, às redes, os árbitros e os times, irmanados com as torcidas, o folclore, as cores, conjuram forças que vão além do entendimento comum.

Cito um exemplo recente desta encarnação sobrenatural, observem três jogos distintos, cito, Inter e Fluminense na Libertadores, a final do Fortaleza na Sul Americana e o Botafogo e Palmeiras no Brasileiro, algo aí roça o imponderável, obviamente as torcidas vitoriosas tem seus cânticos e epopeias a escrever, mas quero pensar com os perdedores, incrivelmente estou alinhado nesse lado do balcão.

Para isso, vou fazer uma pequena volta, Noam Chomsky que é um pensador libertário, anarquista — ele prefere se dizer socialista libertário norte-americano — ele desenvolve uma teoria inclusive que ele chama de “Teoria da Jaula”. A ideia é a seguinte: você está enjaulado. O que você tem que fazer é criar estratégias; se não dá para você romper com aquelas grades, pelo menos para colocar aquelas grades cada vez mais longe de você.

Tenho impressão que o futebol tem esse poder, mas o futebol produzido e curtido pelos vitoriosos, eles conseguem transformar ou distanciar as grades, obviamente não é fácil vencer em quase nada na vida, porém quando isso se apresenta de uma forma tão próxima, tão visível, tão palpável e isso se desfaz rapidamente, temos o efeito reverso da teoria da jaula, e aí tudo parece prisão, tudo se fecha, tudo perde o sentido.

Mas aí o futebol lembra a vida, ou melhor o mistério da vida, pois contra intuitivamente as grades parece, dia a dia se afastarem novamente, não porque os louros da vitória vieram, mas porque o futebol forja pessoas dedicadas, fiéis, convictas, porque somos aqueles ou aquelas que resistem, nada mais pedagógico ensinado pelo esporte bretão, aprender a resistir.

Viva o futebol, viva as brechas de alegria que ele nos proporciona e viva a certeza que a vida é necessariamente resistir, deixo no meu adeus, um pouco melancólico, o samba "Volta por cima" de Paulo Vanzolini, que resume bem este misto de sentimentos.

Chorei, não procurei esconder
Todos viram, fingiram
Pena de mim, não precisava
Ali onde eu chorei
Qualquer um chorava
Dar a volta por cima que eu dei
Quero ver quem dava
Um homem de moral não fica no chão
Nem quer que mulher
Venha lhe dar a mão
Reconhece a queda e não desanima
Levanta, sacode a poeira