Rádio Centro Oeste

O Bolsa Família precisa ser ponte, não porto: o trabalho é o caminho para a emancipação

Fazer uma busca ativa e propor a ascensão social é o desafio das politicas sociais no país

16/04/2025, 19:03
Atualizado há cerca de 2 meses
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Por Fabiano Rambo
É preciso criar programas de recolocação e qualificação para o mercado de trabalho(Foto: Maurício Vieira )É preciso criar programas de recolocação e qualificação para o mercado de trabalho(Foto: Maurício Vieira )

Enquanto Santa Catarina registra mais de 9.500 vagas de emprego abertas — sendo 1.272 apenas no Oeste —, mais de 230 mil famílias continuam recebendo o Bolsa Família no estado. Esse número por si só não é um problema. O problema está em não transformar esses recursos em oportunidades reais de ascensão social. Há um abismo entre assistência e autonomia, e ele precisa ser urgentemente enfrentado com políticas públicas mais ousadas, fiscalizações eficazes e exigência de contrapartidas reais.

De acordo com o Observatório da Indústria da FIESC, mais de 60% das indústrias catarinenses relataram dificuldade em contratar por falta de qualificação em 2024. O setor industrial, especialmente no Oeste, clama por profissionais em áreas como logística, produção, manutenção, frigoríficos e metalurgia. Ainda assim, milhares permanecem fora do mercado, muitas vezes por falta de formação básica, transporte ou incentivo ao primeiro emprego.

Nos municípios do Oeste, os números do Bolsa Família chamam a atenção:

  • Chapecó/SC: R$ 3,6 milhões em benefícios em março de 2025, para 18.431 pessoas;
  • Concórdia/SC: R$ 804 mil para 3.892 pessoas;
  • Xanxerê/SC: R$ 612 mil para 2.751 pessoas.

Esses recursos são vitais — mas precisam ser acompanhados de estratégias de qualificação técnica e estímulo ao trabalho formal.

Levantamento do número de oportunidades versus os inscritos no Bolsa Família

Município

Vagas Abertas (Sine 2025)

Famílias no Bolsa Família

Pessoas Beneficiadas

Investimento Mensal

Benefício Médio

Chapecó

1465

5.737

18.431

R$ 3.601.774

R$ 633,78

Concórdia

256

1.290

3.892

R$ 804.580

R$ 636,53

Xanxerê

195

933

2.751

R$ 612.520

R$ 657,21

São Miguel do Oeste

326

890

2.646

R$ 595.012

R$ 673,09

Maravilha

45

398

1.171

R$ 256.267

R$ 643,89

Pinhalzinho

36

204

659

R$ 124.257

R$ 615,13

Fonte: Sine/SC e Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, março de 2025

É hora de exigir mais do Estado e dos beneficiários

O Bolsa Família cumpre um papel essencial de combate à fome e à miséria. Mas não pode ser visto como um fim em si mesmo. O Estado deve assegurar o acesso à educação, creche, cursos profissionalizantes e inclusão digital. Mas também precisa ser mais rigoroso com o cumprimento das condicionalidades — como a frequência escolar e a busca por qualificação.

Estudos do IPEA mostram que apenas 1 em cada 10 beneficiários que saem do programa o fazem por conquista de emprego formal. Em muitos casos, a permanência indefinida no programa é tolerada por falta de triagem adequada e ausência de acompanhamento individualizado. Isso precisa mudar. É urgente a criação de programas de recolocação e qualificação para o mercado de trabalho.

Indústria e assistência: um casamento necessário

Em vez de ver a indústria como “alternativa distante” para o beneficiário, o governo deveria usá-la como instrumento direto de emancipação social. Por que não ampliar parcerias com o SENAI, FIESC e outras entidades de capacitação para ofertar cursos focados nas vagas reais do Sine? Por que não criar um programa de "Bolsa Capacitação", com duração limitada, para preparar pessoas para o mercado e condicionar a manutenção do benefício à matrícula e frequência?

Em Pinhalzinho, por exemplo, foram gastos R$ 124 mil com o Bolsa Família em março para 659 pessoas. Será que uma parte desse recurso não poderia ser melhor aproveitada com formação técnica em áreas com demanda comprovada?

Não se trata de punir

Revisar os critérios de manutenção do Bolsa Família não é castigar os vulneráveis. É criar mecanismos para que o benefício não se transforme em prisão invisível. Há uma parte da população que quer e precisa de uma porta de saída. Essa porta é o emprego — mas ela precisa estar destrancada com a chave da qualificação.

E, sim, também é preciso endurecer com quem, mesmo tendo condições, se acomoda à dependência crônica do benefício. O dinheiro público precisa ter destino claro: aliviar a dor de quem precisa e empurrar com dignidade quem pode ir além.

Assistência social é o ponto de partida. O destino deve ser a autonomia. O Brasil que queremos não será construído apenas com repasses mensais, mas com cursos, empregos, responsabilidades e dignidade conquistada. O Bolsa Família precisa ser ponte. E toda ponte leva a um caminho — que deve ser o do trabalho.

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