Uma luz no fim do túnel: Produtores do Vale do Araçá podem sair do limbo jurídico do CAR
DPD pede ajuda de deputados para interferir em Brasília; Vitória no Congresso: texto flexibiliza regras do georrerenciamento em áreas de fronteira

O drama que afeta mais de 60 famílias de agricultores do Vale do Araçá, entre os municípios catarinenses de Saudades e Cunha Porã, pode estar perto de um desfecho. Desde o ano 2000, essas comunidades convivem com a incerteza gerada por uma tentativa de demarcação de terra indígena na região — e, com ela, a suspensão do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Sem o documento, os produtores ficam impedidos de acessar políticas públicas, financiamentos e programas essenciais à permanência no campo.
Nesta terça-feira (10), durante a edição itinerante da Assembleia Legislativa (Alesc) em São Miguel do Oeste, a Bancada do Oeste anunciou a realização de uma audiência em Brasília para tratar do caso. A expectativa é pressionar o governo federal a desbloquear o CAR das propriedades afetadas.
Segundo o deputado Fabiano da Luz (PT), o bloqueio não é uma decisão da atual gestão, mas sim um efeito de ações tomadas ainda durante o governo Bolsonaro. À época, a então ministra da Agricultura, Tereza Cristina, revogou um decreto que abria margem para que órgãos federais, como a Funai, solicitassem o bloqueio dos cadastros rurais em áreas sob contestação fundiária — como foi o caso do Vale do Araçá.
Representantes do DPD marcaram presença na Alesc Itinerante (Foto: Bruno Collaço/Agência AL)
Agora, a estratégia passa por mobilizar a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT). Ela já teria atuado com sucesso em casos semelhantes no Pará e, segundo Da Luz, está ciente do problema em Santa Catarina. A audiência em Brasília está prevista para o início de julho.
Movimento cobra reação e segurança fundiária
O Movimento de Defesa da Propriedade e Dignidade (DPD) também marcou presença no evento da Alesc Itinerante. Em documento entregue aos parlamentares, o grupo exigiu ação firme em defesa das famílias da região. Além da questão do CAR, o movimento alerta para o impacto de um decreto federal que obriga o georreferenciamento das propriedades rurais localizadas em áreas de fronteira, como as que ficam até 150km da divisa com a Argentina.
Sem esse documento técnico — que comprova a origem legal da terra adquirida junto ao próprio Estado —, há risco de que as propriedades retornem ao domínio público. “Ou seja, os produtores perdem o direito à terra que compraram legalmente. É uma ameaça concreta à segurança jurídica no campo”, diz o manifesto.
A ausência do CAR inviabiliza também o georreferenciamento, aprofundando o impasse. O DPD cobra uma resposta mais rápida da bancada catarinense e articulações eficazes junto ao governo federal.
Vitória no Congresso: texto flexibiliza regras em áreas de fronteira
Enquanto isso, uma movimentação em Brasília acendeu um sinal de esperança. A deputada federal Caroline de Toni (PL) conseguiu aprovar um substitutivo ao projeto do deputado Tião Medeiros (PP-PR), que flexibiliza a regularização de terras em áreas de fronteira.
O texto aprovado permite que a declaração do proprietário rural substitua documentos oficiais, caso os órgãos públicos não forneçam as certidões em até 15 dias. A proposta inclui benefícios para grandes propriedades (acima de 15 módulos fiscais) e se aplica a regiões como o Vale do Araçá, onde os imóveis rurais aguardam reconhecimento fundiário.
Na prática, o INCRA só poderá negar a emissão do CCIR (Certificado de Cadastro de Imóvel Rural) e outros documentos se já houver decreto presidencial que homologue a demarcação da área.
"Estamos falando de 11 milhões de brasileiros, em 11 estados, 16% do território nacional e 588 municípios. É de segurança jurídica que estamos tratando", defendeu De Toni.
Governo estadual promete agilidade
O secretário de Meio Ambiente e Economia Verde, Emerson Stein (MDB), afirmou que o governo estadual está contratando um software e ampliando o quadro técnico para acelerar a emissão de CARs e a realização do georreferenciamento. Segundo ele, há um esforço para corrigir inconsistências e garantir que os cadastros representem com precisão a realidade fundiária das propriedades.
“Estamos estruturando toda essa parte para ir a campo e fazer o CAR, que é fundamental para o agricultor acessar crédito. Há muitos cadastros errados, e estamos trabalhando para alinhar isso”, declarou.
Emerson Stein participou da reunião da Bancada do Oeste (Foto: Bruno Collaço/Agência AL)
A promessa é positiva, mas ainda há desconfiança por parte dos produtores, que exigem mais do que boas intenções. Eles querem medidas concretas, prazos e garantias de que não ficarão à margem das políticas públicas por inércia ou disputas institucionais.